A infertilidade é quase sempre vivida no feminino: são elas que levam injeções, que fazem ecografias recorrentes, que vão às consultas, que choram… Mas o que sente o homem durante todo o processo em direção ao sonho de gerar um filho?
Quando tudo o que desejava era construir uma família, o casal é confrontado com um diagnóstico de infertilidade que cai como uma bomba e estilhaça um sonho germinado a dois. O caminho que, a partir daí, é preciso percorrer em direção ao sonho é sinuoso, doloroso, frustrante e nem sempre bem-sucedido. É um percurso para ser feito a dois, porque é um projeto do casal, mas quase sempre o homem acaba por se sentir excluído. Porque o processo é muito centralizado na mulher e o parceiro assume, sobretudo, um papel de suporte.
“Existe toda uma categorização em torno da mulher, a própria definição de infertilidade anda à volta da mulher, assim como os tratamentos. Nos sistemas informatizados dos hospitais, por exemplo, a mulher é a detentora do processo do casal e não há maneira de os pôr no mesmo processo”, refere a psicóloga Mariana Veloso Martins, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, acrescentando que, por outro lado, “os homens nem sempre têm disponibilidade para acompanhar as mulheres em todas as fases do processo e acabam por se sentir um pouco à parte”. Com o passar do tempo, entre consultas, ecografias e procedimentos, as mulheres começam a conhecer melhor a equipa médica e toda a envolvência acaba por lhes ser mais familiar. Enquanto isso, o homem sente-se, muitas vezes, como um acessório, tentando lidar não só com a sua própria frustração como servindo de pilar de apoio para a mulher.
Independentemente da causa da infertilidade ser masculina ou feminina (ou inexplicável), é natural e expectável que o homem experiencie, ao longo do processo, uma variedade de emoções que nem sempre consegue (ou quer) explicar ou expressar. Se por um lado há uma tendência natural do homem em suprimir as suas emoções, acabando por sofrer em silêncio para ajudar a companheira, por outro a própria sociedade está mais focada na mulher quando se fala de maternidade (e infertilidade). A voz masculina acaba por ser esquecida ou até desvalorizada.
“É preciso melhorar a compreensão da experiência masculina e nós, enquanto psicólogas dos centros de fertilidade, temos a responsabilidade de tentar que ele seja parte do processo e que a mulher também perceba que ele está tão envolvido como ela, embora não exteriorize tanto as suas emoções”, sublinha Mariana Veloso Martins. Muitas vezes, refere, “isto passa por educar os próprios médicos, para que eles incluam o homem no processo”. Neste sentido, os procedimentos já estão a mudar em Portugal: atualmente, o homem já é obrigado a ir a uma primeira consulta médica de infertilidade.
“As guidelines europeias dizem que a consulta tem de ser para o casal, porque isto é um desejo concebido dentro do casal. A mulher não quer ter um filho com mais ninguém a não ser com aquele parceiro… Portanto se ele é parte integrante desse desejo então temos que o incluir no processo de infertilidade”, nota a psicóloga, que faz parte da rede de apoio psicológico da Associação Portuguesa de Fertilidade. Até porque, refere, o conflito que se pode originar no casal “muitas vezes advém das queixas dela de que ele não está tão envolvido no processo e de não querer tanto um filho como ela, quando não é isso que acontece, de todo.”
Entre a culpa e a frustração
Luís, 38 anos, sentiu na pele, durante quase dois anos, o estigma que ainda envolve a experiência masculina da infertilidade e acredita que os homens querem participar mais ativamente no processo. Mas, para isso, o seu papel tem de ser validado. “É um processo que também nos magoa. Às vezes sentia-me apenas um ‘dador de esperma’, outras sentia-me culpado por não poder fazer mais por ela… sobretudo quando o resultado não era o esperado”, conta. Luís sentiu-se “impotente e frustrado” ao ver a mulher submeter-se a todos os tratamentos necessários. “Não é fácil lidar com isso. O peso recai quase todo do lado dela: as ecografias, as injeções, etc. Nem sempre fui capaz de lhe transmitir as minhas emoções, a minha solidariedade, mas tivemos que encontrar uma forma de comunicarmos melhor”.
Um dos aspetos que carateriza os casais em tratamento de infertilidade é, de facto, a necessidade de uma maior comunicação, o que acaba por ter uma repercussão positiva na relação. “Sabemos que os casais inférteis têm menos taxas de divórcio do que os casais que têm filhos. São mais unidos e todos os estudos indicam que é porque é obrigatório haver mais comunicação. Eles são unidos neste desejo e obrigam-se a comunicar mais e não se divorciam tanto”, refere Mariana Veloso Martins. Luís confirma a teoria, mas lembra que, ainda assim, a experiência é vivida em patamares diferentes. “Cada ciclo falhado era uma catástrofe para a minha mulher. Para mim era efetivamente uma grande desilusão, mas para ela era muito pior”. O que não quer dizer, sublinha, que não tivesse tanta vontade de ter um filho como ela. “Nós também estamos interessados e temos sentimentos em relação a todo o processo, embora as mulheres possam ter dúvidas em relação a isso”, diz.
A verdade é que, também aqui, os homens são mais otimistas. Não só porque sentem que têm de apoiar as parceiras, como têm menos tendência para ficarem deprimidos. Um estudo realizado com casais inférteis revelou que enquanto metade das mulheres descrevia a infertilidade como “a pior experiência” da sua vida, apenas 15 por cento dos homens afirmaram o mesmo. Mariana Veloso Martins confirma: “Os homens são mais otimistas no processo e isso tem a ver com facto de quererem apoiá-las, no sentido de as tentarem animar e apaziguar aquela dor, mas também porque eles sempre foram mais otimistas do que as mulheres. É uma diferença de género.”
No entanto, o caso pode mudar um pouco de figura quando a causa da infertilidade conjugal é masculina. “Há estudos que indicam que os homens têm mais depressão, mais ansiedade, mais stresse quando o fator de infertilidade é exclusivamente masculino, outros sugerem que não. É uma polémica atual na comunidade científica, porque não há certezas”, refere a psicóloga. O facto de o conceito de infertilidade ainda estar muito associado, na nossa sociedade, ao de virilidade terá, com certeza, um “impacto diferente no caso, por exemplo, de uma azoospermia (quando o homem não tem espermatozoides funcionais)”.